Katie van Scherpenberg Brasileira, 1940

Biografia [Biography]

Nascida em São Paulo, em 1940, filha de pais europeus (seu pai Pieter era um cidadão holandês naturalizado da Alemanha e sua mãe Mildred era norueguesa), Katie van Scherpenberg logo se mudou para os Estados Unidos, depois para o Canadá, e finalmente se estabeleceu em Londres, onde viveu até 1945. Seus anos de formação foram passados entre o Brasil e a Europa, concluindo seus estudos na Inglaterra. Uma bolsa de estudos de dois anos concedida pelo governo alemão, entre 1961 e 1963, permitiu-lhe estudar pintura em Munique com Georg Brenninger (1909-1988) e em Salzburgo com Oskar Kokoschka (1886-1980). Scherpenberg retornou ao Rio de Janeiro em 1964, uma semana após o golpe militar que instaurou um regime ditatorial que permaneceria no poder pelas duas décadas seguintes.

 

Dos 26 aos 33 anos, viveu na casa da sua família na Ilha de Santana, no delta do Rio Amazonas, no estado do Amapá. Lá, a falta de materiais artísticos profissionais a levou a pesquisar maneiras de produzir pigmentos naturais a partir da terra. Sobre esse período de sua vida, a artista relata: “Pode-se dizer que o rio era, entre outras coisas, muita tinta, pois continha uma grande quantidade de pigmentos (óxidos de ferro) vindos de lugares distantes e, junto com essa tinta, trazia-me uma infinidade de informações. Nesse sentido, o rio é um pouco como uma pintura... Um rio é como a vida, nunca estável por sua própria natureza – especialmente o Amazonas.”

 

A partir de 1973, estabeleceu-se definitivamente no Rio de Janeiro. Começou a lecionar na Escola de Artes Visuais do Parque Lage em 1975, ano em que a instituição foi fundada. Lá permaneceu por cerca de três décadas, coordenando o núcleo de pintura e formando diferentes gerações de artistas.

 

Os anos 1980 marcaram a expansão das pinturas de Scherpenberg para espaços externos. Em 1986, Katie realizou a icônica obra Jardim Vermelho, na qual cobriu com pigmento de óxido de ferro toda a grama em frente ao palacete do Parque Lage. A intervenção inaugurou o conceito de landscape painting no Brasil e se alinhou a debates mais amplos em torno da land art e da performance. Desde então, realizou outras intervenções marcantes, como Menarca (2007), em que, segundo relato da própria artista, ela decidiu “pintar a água e colocou o óxido de ferro diretamente no mar, usando a água como tela”. Obras como Esperando Papai (2004), Jardim Vermelho (1986) e Furo (2001) abordam questões em torno do lugar da geografia, da ancestralidade e da memória ao longo da vida da artista.

 

No início dos anos 1980, paralelamente à sua prática artística, Scherpenberg trabalhou em um projeto comissionado pela Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) com o objetivo de desenvolver materiais artísticos de alta qualidade para o mercado brasileiro. O projeto envolvia a análise de pigmentos minerais do solo brasileiro que poderiam ser utilizados na produção de tintas. Na época, os artistas não tinham acesso a tintas de alta qualidade devido aos impostos de importação exorbitantes e à falta de interesse da indústria brasileira em desenvolver produtos para esse nicho de mercado. Isso não apenas permitiu à artista expandir sua pesquisa sobre materiais locais, iniciada na região amazônica, como também abriu novas possibilidades para explorar a materialidade em sua própria obra.

 

A partir de 1993, a artista iniciou a série de pinturas intitulada Feuerbach, em que examina, decompõe e reencena uma paisagem do pintor alemão Anselm Feuerbach (1829-1880), herdada de seu pai. Estendendo-se por mais de duas décadas, a produção das obras envolveu o uso de reagentes químicos distintos, como sal, vinagre e urina, lançados sobre finas folhas de metal (cobre ou prata) coladas na tela, além de outras experimentações. Inspirada pelas falhas e manchas presentes na obra do século XIX, a artista buscou examinar, em suas telas, os efeitos da oxidação e da degeneração dos materiais na formação de uma imagem.

 

Procedimentos semelhantes são realizados na série Mamãe, Prometo Ser Feliz, produzida a partir de 1999. Nela, Scherpenberg aplica sobre a superfície da pintura lençóis e tecidos de linho advindos de um enxoval de casamento. Remetendo ao ambiente doméstico e familiar, os tecidos delicadamente bordados se veem profanados nessas obras. Segundo a artista, a inspiração para essa série nasce de um conjunto de reflexões em torno da importância do bordado nos primórdios da pintura, da identidade e do lugar da mulher na sociedade patriarcal e, ainda, em torno da ação do artista entre o visível e o subjetivo.

 

Em 2022, Katie van Scherpenberg apresentou nas Cavalariças do Parque Lage a exposição instalativa Yakecan, seu projeto inédito mais recente. Em tupi-guarani, o título significa “o som do céu” e foi escolhido em conformidade com o sinal de alerta que a artista buscou emitir: as florestas estão queimando em velocidade mordaz. A instalação foi um desdobramento da intervenção Síntese, realizada por Scherpenberg no Rio Negro, Amazonas, em 2004. Na ocasião, a artista criou cinco quadrados com sal branco sobre a areia preta às margens do rio, examinando a relação entre essas cores. O desdobramento da obra, no entanto, foi totalmente inesperado: “Conforme a maré subia, trazia pequenos restos de madeira chamuscada que se depositavam sobre o sal. Eu entendi como um aviso do Rio Negro que, a seu modo, já denunciava claramente as queimadas da floresta”, disse a artista em relato.

 

Durante a década de 1970, Scherpenberg começou a expor amplamente e conquistou o prestigiado prêmio do Salão Nacional de Arte Moderna em 1976. Nos anos 1980, participou de duas edições da Bienal de São Paulo, apresentando a série Kronos na XVI Bienal de São Paulo, em 1981, e The Via Sacra na XX Bienal de São Paulo, em 1989. Entre suas exposições de destaque recentes, estão: Traces: 1968–2007 (Cecilia Brunson Projects, Londres, 2023); Yakecan (Parque Lage, Rio de Janeiro, 2022); e Olamapá (Centro Cultural Oi Futuro, Rio de Janeiro, 2019).

 

Sua obra faz parte de importantes coleções públicas nacionais e internacionais, tais como: Blanton Museum of Art, Austin, Texas; Coleção Patricia Phelps de Cisneros, Nova York; University of Essex Collection of Latin American Art (ESCALA), Essex, UK; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM Rio; Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC USP; Museu de Arte de Brasília – MAB.

 

Obras [artworks]
Experimento, 1980