Existências paralelas – acervo em (des)construção: Curadoria: Lisette Lagnado, José Eduardo Ferreira Santos e Yuri Firmeza | Pinacoteca do Ceará - CE
“Existências paralelas – acervo em (des)construção” é a segunda mostra, depois de “Se arar” (2022-2024), concebida a partir da análise da missão da Pinacoteca do Ceará. Desta vez, discutem-se os modos de constituir um museu público sob a perspectiva do conceito de vizinhança. Quais os caminhos possíveis para ampliar seu acesso e torná-lo imprescindível ao imaginário de um estado e de sua capital, Fortaleza? De que maneira, portanto, o programa de uma instituição pode, simultaneamente, exibir o que preserva em sua reserva técnica e interpelar discursos consagrados?
Várias questões permearam a pesquisa. Buscou-se entender como se dá a formação do cânone, ou seja, estudar a arte produzida no Ceará sem deixar de escutar, nos encontros com seus protagonistas, as matrizes mais profundas do labor artístico – presentes em fotopinturas e xilogravuras, principalmente na região do Cariri –, assim como o desejo de pertencer à promessa da modernidade tão almejada no Brasil, acompanhado do indefectível fascínio pela internacionalização.
A exposição foi desenhada junto ao arquiteto Tiago Guimarães, inspirando-se na função de elementos básicos do mobiliário que costuma compor uma reserva técnica de museu, tais como mesas, estantes e mapotecas. Foram estabelecidos núcleos que se entrecruzam e imantam o espaço: Modos de produção e circulação; Moderno popular; Formas votivas e celebrações; Memórias territoriais; Miscelânea documental.
“Existências paralelas” incorpora o tecido social com o objetivo de evidenciar vidas singulares que, nos descompassos do tempo, foram pulverizadas em guaridas diversificadas, algumas improvisadas e informais, mas que seguem testemunhando a pulsão criativa através de muitas épocas, técnicas e estilos, transitando entre o acadêmico, o popular, o moderno e o experimental, como uma nascente contínua.
Em um pequeno texto de 1977, intitulado “A vida dos homens infames”, Michel Foucault fala de existências-relâmpagos. Não se trata de fazer história, mas de uma antologia de existências, dar a essas existências um lugar, um nome e uma data: noticiar. Espécie de manual às avessas, o filósofo não teme nem a desgraça, nem a raiva ou a loucura para afirmar uma beleza distante das grandezas associadas ao nascimento, à fortuna ou à genialidade. São poemas-vidas que brotam das entrelinhas das micro-histórias.
No lugar das grandes narrativas lineares e evolucionistas, propomos costuras de fragmentos. Em contrapartida aos paradigmas, propomos inserções. Ao invés de uma história da arte do Ceará, incitamos a pesquisa. Por tudo isso, foi exercida uma curadoria compartilhada com alguns territórios para que o acervo da Pinacoteca se nutra de vida coletiva, das tantas iniciativas que existem no seu entorno, próximo e longínquo, driblando as fronteiras do preconceito, com a finalidade de repensar métodos de aquisição e categorias estéticas.
Um olhar que abrace múltiplas histórias da arte requer a identificação dessas “existências paralelas”. Recusamos o dispositivo “exposição” como tácito acordo do cubo branco. Aventamos uma expografia dialógica, onde se interage, discute e adentra os “mistérios” de um local destinado à salvaguarda de uma coleção pública, em que cada pessoa será convidada a se aproximar da Pinacoteca e contribuir para a sua permanência e democratização – movimento de construção que não se furta ao confronto entre formas e ideias diferentes, porque sabemos que, em contato com peças emprestadas de outras coleções, o acervo adensa-se, adquire contexto e lastro.
Débora Soares e Ismael Gutemberg (NUPAC – Núcleo de Patrimônio Cultural do Moura Brasil), Diêgo di Paula (Mucuripe), Dona Toinha (Tururu), Paula Machado (Minimuseu Firmeza, Mondubim) e Tércio Araripe (Moita Redonda).
Curadoria compartilhada com territórios e comunidades.