BRUNO NOVELLI: Sol de ouro: Museu Inimá de Paula – MG
A hora amarela
Ao longo dos últimos 15 anos, Bruno Novelli (Fortaleza, CE, 1980 – vive em São Paulo, SP) tem investigado a natureza tal qual uma disciplina. Dela, não apenas procura mimetizar a organicidade de suas formas e elementos, mas também acentuá-los e reimaginá-los, de modo a enfatizar sua exuberância e opulência. Desse procedimento nasce uma obra inventiva, de refinado acabamento técnico e compositivo, que posiciona Novelli como um importante representante do realismo fantástico na pintura contemporânea.
Esta exposição reúne obras datadas desde 2012 até produções mais recentes. Nesse percurso, é possível acompanhar como o trabalho do artista, que inicialmente entremeava elementos dos mundos digital e natural a partir de uma paleta saturada e psicodélica, foi migrando rumo às atuais composições tropicais e idílicas, nas quais triunfa a simbiose entre uma fauna e uma flora delirantes.
A trajetória de Novelli nasce do cruzamento de repertórios heterogêneos que vão desde as vivências na Floresta Amazônica e a aproximação com artistas e coletivos indígenas até as ilustrações botânicas e os livros de História, com destaque para as mitologias e os bestiários da Antiguidade e da Idade Média. Desse arcabouço de referências, o artista cria um universo peculiar repleto de animais e seres voluptuosos e antropomórficos. Carregando reminiscências de um imaginário coletivo da pré-história, as suas pinturas remetem a um tempo indefinido, que tanto evoca um passado distante, longe do triunfo do Homo sapiens sobre outras espécies, quanto comporta a projeção futurista de um ambiente intocado, ainda por se descobrir.
Para além da figuração de paisagens imersivas e sublimes, a visada sobre o conjunto da sua obra nos revela cenas por vezes épicas, permeadas por bichos em posição de ataque e em situações de batalha. Embora evidentemente ficcional, a representação desses embates contribui para a impressão de que o trabalho de Novelli busca fidelidade aos processos da natureza, uma vez que a predação, a violência e o conflito são situações corriqueiras da vida animal. Há de se notar, ainda, que muitos dos seus seres inventados têm nome e aparecem em diferentes telas, contribuindo para o sentido de continuidade e coesão em sua obra.
No Museu Inimá de Paula, Novelli apresenta pela primeira vez uma série de trabalhos recentes, todos realizados em 2025. Neles, abandona momentaneamente os tons verdes já característicos em busca de cores cintilantes que vão do amarelo ao marrom-ocre. Na série Sol de ouro, a estrela motriz da vida na Terra banha as imagens em abundância, criando uma atmosfera densa, quente e quase úmida, capturada em algum momento entre o nascer do sol e o crepúsculo.
Essas obras reiteram procedimentos presentes na produção recente de Novelli: por meio de uma paleta mais uniforme, o artista propõe uma fusão entre fauna e flora, sugerindo que as relações interespécies se dão num exercício contínuo de codependência, num equilíbrio amalgamado. Algumas dessas telas seguem, ainda, um exercício compositivo que ele explora desde 2024: com áreas mais abertas, os rios sinuosos e as florestas densas de fundo ganham maior destaque do que em trabalhos anteriores. Instaura-se, assim, uma atmosfera singular, em que a hora amarela da luz se converte em metáfora para um estado de encantamento.
A prática de Bruno Novelli insiste na pintura como linguagem e veículo, apostando em sua capacidade de renovar imaginários e despertar novas percepções sobre nosso lugar em relação ao todo que nos envolve. Como numa experiência sensorial, suas obras nos convidam a explorar um mundo híbrido, em que a natureza não é apenas cenário, mas protagonista de uma narrativa visual rica e envolvente, na qual realidade e fantasia se entrelaçam com a exuberância da vida.
Thierry Freitas