Leo Battistelli: água viva: Texto crítico: Leonel Kaz
Leo Battistelli: água viva
“Nós somos energia, luz, mas não nos enxergamos assim. Somos seres de luz”, assim se defineLeo Battistelli, que vive há 20 anos no Rio de Janeiro, vindo de Rosário, Argentina, onde estudou Belas Artes e foi salva-vidas. De sua ancestralidade familiar e de sua profissão foi recolhendo à memória as borbulhas d’água, os líquens, as plantas—e as transformou em “águas vivas” feitas de cerâmica e porcelana. Suas obras estão presentes em museus, coleções e prédios de Buenos Aires, Punta del Este, Miami, algumas delas em escala monumental, como as 2.400 estrelas, galáxias e nebulosas em porcelana, ouro e platina que criou para um espelho-d’água com 240 m² na entrada de um prédio em Porto Madero.
Leo é um ser aquático hoje mergulhado, da água ao fogo, nos fazeres da cerâmica, dos quais extrai cor, imaginários, delírio. É este universo que lhe permite moldar o mundo em formas curvilíneas e tridimensionais: num momento, escamas se tornam visíveis; noutro, são pétalas, flores-fósseis, líquens — tudo impregnado de um agudo senso de contemporaneidade.
Trata-se de uma arte que vem de longe. Talvez da água, de onde tudo se origina: seres e coisas a mostrar que somos, planetária e biologicamente, os mesmos. O artista está atento a esta nova ética da existência do homem em relação à natureza, a essa alquimia entre homens e plantas (tais como nós, as árvores também conversam entre si), bem como aos valores espirituais das religiosidades e rituais xamânicos e do candomblé. Esses elementos se fazem visíveis já na entrada da exposição, na peça Iemanjá (2025), feita de contas verticais de cristal soprado, e em Sobrenatural (2015), uma “figura de cartas” baseada numa lenda amazônica, que fala do homem como origem da água e das florestas.
A exposição tem paredes repletas de Líquens (produzidos entre 2019 e 2025) em diferentes processos de cerâmica ou porcelana, com matizes de cor, translúcidos e frondosos, que expressam a sua falta — essencial para uma vida saudável nas grandes cidades. Há um Pôr do sol (2025) com sete metros em círculos vazados em cerâmica, compondo um painel fulgurante ao lado da molécula deGelo (2024), em que hidrogênio e oxigênio são revelados em cerâmica por meio do espectro de cores. Há três objetos com luminosidade interna: uma enorme semente de uva, ou Pepita (2022/2025), em espanhol, feita de porcelana que se abre brotando em luz e prata, um Respiro (2025) em madeira com porcelanas tais quais borbulhas d’água e o Hexagonoro (2019/2025), que são exatamente as 70 paletas de porcelana, ouro e platina que deram origem às 2.400 estrelas que hoje cobrem o espelho d’água na Argentina, citado mais acima. Há ainda um Orvalho (2025) com múltiplas gotas em porcelana branca aveludada que ficam em suspenso ao lado de Coluna (2025), um imenso pingente de azul profundo, como um ser geométrico de outra dimensão. E há Ninhos (2019) de pássaros coletados onde vive o artista.
Pois, assim é: Leo vive em meio à floresta atlântica, a 400 metros do nível do mar do Rio de Janeiro, entre água cristalina que emana das rochas e árvores frondosas. O seu trabalho, portanto, não é apenas fruto de um processo intelectual, mas de uma forma de ser e viver. De estar habitado por um imaginário que é concebido não pelo córtex cerebral de um indivíduo, mas pela pluralidade de percepções do que o cerca.
O físico Marcelo Gleiser, autor do texto presente no livro-objeto As esferas da percepção, apreendeu o trabalho de Leo Battistelli dessa mesma maneira: “Ao olharmos a obra de Battistelli, a dança das cores, a superposição da simetria e da assimetria, a mistura da ciência molecular com a experiência distorcida e ampliada da realidade, vislumbramos nossa essência, flertando, mesmo que por momentos efêmeros, com o mistério da Criação.”
Leonel Kaz é jornalista e curador.

